LTCMA Mark-to-Market: COVID-19 – Novo ciclo, novo ponto de partida
Sumário Executivo
30/04/2020
Enquanto os investidores navegam pelas atuais incertezas do mercado, alguns de nossos gestores e estrategistas mais graduados compartilham as lições que aprenderam com as crises anteriores – e como podem ser aplicadas hoje.
Lições do verão de 1998 sobre como assumir riscos
Jeffrey Geller – Chief Investment Officer, Multi-Asset Solutions
No verão de 1998, eu já administrava estratégias de hedge e arbitragem para clientes institucionais há quase 20 anos. Pensei que as decisões que tomei durante o crash de 1987 seriam o momento decisivo da minha carreira. Mal sabia eu o que estava por vir.
“Após 42 anos de atuação, às vezes sinto que já vi de tudo. Mas nunca vi nada parecido com a crise atual”.
Naquele verão, começaram a aparecer questões no mercado russo de dívida e em outros mercados emergentes. As opções de seis meses a um ano, que eu normalmente compraria como hedge, estavam sendo negociadas a um preço inacreditavelmente baixo com relação à projeção de risco. Comprei para os clientes que queriam fazer hedge. Por outro lado, nas estratégias de arbitragem que executei, os spreads estavam excepcionalmente comprimidos. Com base no risco-retorno, essas relações não faziam sentido, e eu acreditava que eram insustentáveis. Cortei o risco de arbitragem das carteiras.
Depois, em setembro, veio o colapso do hedge fund Long-Term Capital Management, cujo posicionamento de carteira (incluindo uma alavancagem absurda) vinha impulsionando os mercados. O desmoronamento do fundo criou uma oportunidade extraordinária. Vendi a volatilidade mais antiga nos índices de renda variável por três vezes o que havia pago no início daquele verão, e com um prêmio próximo do nível alcançado por volta do crash de 1987. Além disso, a febre da internet estava a todo vapor, permitindo uma jogada de arbitragem bem-sucedida: comprar as opções de compra de uma empresa de internet e vender a descoberto.
Olhando para trás, as decisões que tomei em 1998 parecem simples, mas na época pareciam assustadoras. Em vez de um momento decisivo, poderiam ter representado o fim da minha carreira se meu posicionamento estivesse errado. E aprendi a lição.
Após 42 anos de atuação, às vezes sinto que já vi de tudo. Mas nunca vi nada parecido com a crise atual, que foi desencadeada por uma pandemia global. Ninguém sabe quanto tempo a crise vai durar ou qual será sua profundidade. Por conta dessa incerteza, o momento é de equilíbrio para assumir riscos.
O crash de 1987 ressalta o valor do investimento de longo prazo
Dr. David Kelley, CFA – Chief Global Strategist, Head of Global Market Insights Strategy
No segundo semestre de 1987, eu ministrava um curso de economia na Universidade Estadual de Michigan. Na segunda-feira, 19 de outubro, um aluno entrou correndo na minha sala para me dizer que o Dow Jones Industrial Average havia caído 508 pontos, o que na época foi uma queda de 22,6%. Expliquei a ele por que isso não poderia ter acontecido — mas é claro que aconteceu, e foi o maior declínio percentual diário na história dos Estados Unidos.
Em retrospectiva, o crash de 1987 nos ensinou muito.
“O crash de 1987 não teve uma causa primária óbvia ou uma consequência econômica significativa.”
Primeiro, foi um colapso sem uma causa primária óbvia. O mercado acionário vinha subindo com força há quase cinco anos sem uma correção significativa, e os valuations estavam acima da média. No entanto, a economia estava crescendo de forma consistente e as tensões geopolíticas não eram anormais. Alguns apontaram a queda do dólar como a causa do crash, mas é difícil argumentar que mudanças nas taxas de câmbio pudessem justificar a queda de mais de 20% no valor das empresas americanas.
Segundo, foi um colapso sem uma consequência econômica significativa. O consumo se manteve em um bom nível nos meses após o crash de 1987, e a economia continuou a crescer de forma contínua até a leve recessão de 1990.
Terceiro, o crash serve como o maior lembrete de que os retornos do mercado acionário não são distribuídos normalmente. O desvio padrão dos retornos diários no ano anterior ao crash era de apenas 25 pontos do índice. Como sempre aconteceu antes e depois do colapso, o declínio no mercado foi exacerbado por operações destinadas a remover o risco de carteiras, eliminando empresas ou futuros de índices conforme o mercado caía.
Por fim, o crash ressalta o valor do investimento de longo prazo. Se meu aluno, em vez de correr para a minha sala naquela tarde, tivesse corrido até uma corretora de valores, investido seu dinheiro e conseguido o retorno médio do S&P 500 desde então, ele teria ganhado 10,9% ao ano, incluindo dividendos. No entanto, se naquela tarde ele tivesse chegado aos prantos, me dizendo que havia colocado suas economias no mercado na sexta-feira anterior à Black Monday, ainda assim teria ganho 10,0% ao ano nos anos subsequentes.
Lições da Bolha da Internet de 2000
Lee Spelman, CFA – Head of U.S. Equity
Eu adorei investir em tecnologia no final dos anos 1990 — foi uma época muito empolgante. A internet, que tinha acabado de surgir, desencadeou possibilidades fantásticas. Era possível comprar coisas online! Trabalhar em casa! Conectar-se com seus amigos! A “velha” economia analógica estava cedendo espaço para a “nova” economia digital. Bastava colocar “.com” no nome da empresa e seu valuation disparava, chegando a ultrapassar o lucro em 100 vezes (se não houvesse lucro, muitas vezes bastavam as visualizações de um site).
“As empresas valem seu fluxo de caixa futuro — não há substituto.”
As ações de tecnologia dobraram de valor e depois duplicaram novamente. Parecia que todos, de motoristas de táxi a médicos, queriam ser day traders. A maioria das crises é movida pelo medo; esta foi pela ganância.
O mercado atingiu o pico em março de 2000. Não foi um big bang, e não houve um evento único como estopim. As falências de grandes empresas e o 11 de setembro contribuíram, mas no geral o que aconteceu foi uma erosão lenta e constante, que culminou em uma queda de 78% do pico ao vale para o índice Nasdaq, que reunia muitas empresas de tecnologia. O índice havia levado 15 anos para atingir o pico anterior.
Aprendi algumas lições naquela época:
- É fácil se deixar levar pela onda: Todos nós queremos acreditar na inovação e no crescimento.
- A mudança acontece mais devagar do que esperamos, mas de repente ela voa. A internet de fato mudou tudo, mas demorou mais do que o previsto. Precisávamos da convergência entre mobilidade, big data e nuvem para que a mudança acelerasse de vez.
- As empresas valem seu fluxo de caixa futuro — não há substituto.
- As ações podem cair muito mais do que o imaginável, mesmo depois de já terem despencado.
- Não dá para operar no piloto automático. A maior parte das líderes de tecnologia da era .com nunca se recuperou. Novas líderes surgiram.
De todas essas lições, tiro uma conclusão. A seleção ativa e engajada de empresas é a chave para o sucesso do investimento no longo prazo.
Lições de alavancagem dos mercados de crédito de 2000-2002
Lisa Coleman – Head of Global Investment Grade Corporate Credit
Quando a volatilidade começou a aumentar nos mercados de crédito dos Estados Unidos em 2000, eu tinha acabado de entrar em um novo emprego como gestora de carteiras de crédito global. Os mercados se concentravam no aumento da alavancagem corporativa e no fantasma dos rebaixamentos nas classificações de risco. Quando olho para trás, entre 2000 e 2002, vejo semelhanças claras com o ambiente atual — “alavancagem” e “fallen angels” são conceitos bem conhecidos hoje em dia — mas também diferenças importantes.
“Pode ser que tenhamos de viver em um universo de investimentos de qualidade inferior por um bom tempo.”
Vários fatores foram específicos da era anterior. Primeiro foram os efeitos da desregulamentação do setor de telecomunicações (levando a um significativo excesso de capacidade) e do mercado de energia elétrica da Califórnia na década de 1990. Alguns elementos dessa desregulamentação ajudaram a preparar o terreno para casos de má conduta corporativa, que resultou no colapso da Enron e da Worldcom. (Lembro-me de um fim de semana estressante após nossa decisão de vender papéis da Enron com base em nossa preocupação cada vez maior sobre as operações da empresa. Decidimos adiar a venda da dívida denominada em euros, esperando um preço mais alto na segunda-feira. De fato, vendemos perto do valor nominal e semanas antes do colapso da empresa). Outro evento marcante daquela época foi o choque do 11 de setembro. No fim das contas, o período de 2001/2002 foi palco de um número sem precedentes de “fallen angels” conforme a economia entrava em recessão.
As empresas americanas entraram nessa recessão com balanços patrimoniais inflados, mas depois de atingir o pico em 2002, a alavancagem caiu de forma consistente. E é aqui que vejo uma divergência fundamental em relação ao ciclo atual. As empresas entraram na recessão de 2020 com maior alavancagem do que no pico de 2002 e provavelmente irão emergir no próximo ciclo com ainda mais dívidas em seus balanços.
Não esperamos uma recuperação em V e, em um ambiente econômico menos robusto, as empresas podem permanecer consideravelmente mais alavancadas do que em ciclos anteriores. Ao mesmo tempo, porém, o Fed irá, pela primeira vez, comprar títulos de alguns ”fallen angels” (empresas com grau de investimento em 22 de março), oferecendo assim um suporte ao mercado. No final das contas, pode ser que tenhamos de viver em um universo de investimentos de qualidade inferior por um bom tempo.
2000-2002: O custo dos ralis de “bear market”
Katy Thorneycroft – Portfolio Manager, Multi-Asset Solutions
Em 1999, no boom da tecnologia e recém-formada na universidade, fui trabalhar como gestora na equipe de renda variável de finanças comportamentais da Europa. Como havia estudado os vários princípios de valuation, me interessei pelo fato de que um fluxo de caixa descontado poderia facilmente justificar qualquer preço de ação, desde que as previsões fossem otimistas o bastante e o valor residual fosse extravagante no ponto certo.
“O rali de ‘bear market’ pode te transformar em herói ou... em algo completamente diferente.”
Conforme o ciclo se aproximava do pico, me concentrei nas empresas de médio e pequeno portes. Quando olho para trás, vejo que tive muita sorte de trabalhar com um gestor experiente que já tinha visto vários “bear markets”, e que me manteve focada nos fluxos de caixa e balanços corporativos.
Aprendi duas lições com a baixa do mercado em 2000-2002. Em primeiro lugar, os ralis de “bear market” podem ser brutais. Em 2001, eu me lembro, o FTSE caiu 15%, mas houve uma alta de 20% nos últimos meses do ano. Não saberemos tão cedo se a alta deste ano é de fato um episódio dentro do “bear market”. Dependendo de como você estiver posicionado, o rali de “bear market” pode te transformar em herói ou... algo completamente diferente. Nos meus primeiros anos nessa área, aprendi que é bom se manter fiel à sua estratégia de investimento e ao mesmo tempo ser humilde o suficiente para mudar o curso quando as evidências mudam.
Em segundo lugar, aprendi que os investidores podem ignorar os valuations por algum tempo, não para sempre. As ações de valor estavam um tanto fora de moda nos últimos estágios da alta do mercado no final da década de 1990. Mas assim que a baixa encerrou em 2003 e o cenário foi montado para uma reaceleração do crescimento, os investidores tiveram o luxo de ser mais sensíveis ao preço. Mais uma vez, só o tempo dirá, mas se o próximo ciclo entregar níveis mais elevados de crescimento nominal, pode ser que traga algum impulso para as ações de valor que há muito tempo estão pressionadas.
Crash de 1987: Formado no treinamento do banco vê o primeiro ¨black swan¨
Patrik Jakobson – Patrik Jakobson - Portfolio Manager, Multi-Asset Solutions
Fazia algumas semanas que havia saído do programa de treinamento do J.P. Morgan quando o mercado acionário quebrou em 19 de outubro de 1987, a ”Black Monday”. Minha mesa na antiga sede em Wall Street dava para o pregão da Bolsa de Valores de Nova York. “No que eu fui me meter?”, me perguntei.
“Por definição, ”black swan” são eventos de baixa probabilidade. Mas ao longo dos últimos 30 e poucos anos, parece que acontecem com alguma regularidade.”
Na época, as pessoas se lembravam bem das duplas recessões do início dos anos 1980, e uma recessão parecia inevitável. Mas o mercado acionário recuperou suas altas anteriores em menos de um ano, e os Estados Unidos demoraram para sofrer uma nova recessão, que veio somente em 1990.
Antes da Black Monday, as ações estavam supervalorizadas e os investidores, complacentes. O seguro de carteira “garantia” uma proteção contra desvalorização — até que não funcionou mais. O seguro claramente exacerbou a liquidação de 1987. E certamente há uma semelhança nas crises subsequentes, com os mercados financeiros ou a engenharia financeira como causa ou contribuição.
No curso normal das coisas, é difícil pensar em ocorrências de cauda ou black swan. Por definição, são eventos de baixa probabilidade. Mas quando olhamos para os últimos 30 e poucos anos, parece que acontecem com alguma regularidade: a crise financeira asiática e o fundo Long-Term Capital Management, a bolha da internet, a crise financeira global, a crise da dívida pública. Cada uma delas teve um contorno ligeiramente diferente, mas todas foram um evento de cauda.
Meus colegas mais jovens acham difícil imaginar, mas em outubro de 1987 trabalhávamos sem computadores ou celulares. A negociação era manual e lenta. Hoje, em meio a uma pandemia global, o J.P. Morgan Asset Management é, em essência, administrado remotamente; o que é notável — e um lembrete para mim da resiliência dos fundamentos da economia e dos mercados em todos os tipos de crises.
Crise da dívida pública: A importância de uma visão ampla
Karen Ward – Chief Market Strategist, EMEA, Global Market Insights Strategy
Para os países reunidos na união monetária europeia, a crise financeira não terminou em 2009. Na verdade, para muitos, estava apenas começando ali. Quando a dívida pública disparou, os investidores já não se perguntavam mais se os bancos iriam quebrar, mas se os governos iriam entrar em default. Como economista sell-side durante a crise da dívida pública (que durou aproximadamente de 2010 a 2012), tive que formar uma opinião sobre se, no final, a zona do euro entraria em colapso.
“Entendi que a zona do euro era antes de mais nada uma união política. A crise teve mais a ver com compromisso político do que com a economia.”
Embora cada crise seja diferente, o kit de ferramentas analíticas que utilizamos é praticamente o mesmo. Do meu ponto de vista, as crises são muito parecidas com a arte impressionista. Se você se aproximar muito do quadro, não conseguirá entender a obra. Mas se você recuar alguns passos, tudo fica muito mais claro.
Em uma crise, é fundamental pensar no cenário como um todo. Como economista — e estudante de história — entendi que a zona do euro era antes de mais nada uma união política. A crise, portanto, teve mais a ver com compromisso político do que com a economia. Como eu não duvidava do compromisso da Alemanha com o projeto, esperava que houvesse concessões, e houve. Isso foi muito mais importante do que compreender as minúcias dos vários pacotes de ajuda.
E aprendi que é importante dar um passo para trás física e mentalmente. Na crise da dívida pública, os governantes tomaram decisões importantes na noite de domingo ou nas primeiras horas da manhã de segunda-feira após uma reunião do grupo do euro. Ficar acordado para cobrir a coletiva de imprensa e depois passar por um dia inteiro de reuniões com clientes foi fisicamente e mentalmente desgastante. Encontrar uma maneira de se recuperar é essencial para tomar decisões claras e racionais.
Por fim, embora seja importante ter uma visão clara, é igualmente importante desafiar essa visão. A cultura de equipe é fundamental aqui. O debate saudável é essencial sempre, mas é muito mais importante em uma crise, quando as emoções e os riscos estão lá em cima.
Do caldeirão da crise de 2008 veio a expansão e evolução dos ativos reais
Pulkit Sharma, CFA, CAIA – Head of Alternatives Investment Strategy and Solutions
“Basta construir para vender” foi o lema do investimento imobiliário nos mercados globais que levaram à crise de 2008. Trabalhando no Oriente Médio, testemunhei o boom de desenvolvimento que produziu algumas das maiores estruturas do mundo. Embora a crise financeira global não estivesse diretamente conectada aos mercados emergentes, ela expôs vulnerabilidades que levaram à quebra prolongada do mercado imobiliário, já que os projetos de incorporação foram paralisados ou abandonados.
“As crises financeiras produzem vencedores e perdedores. Os vencedores em ativos reais tinham fluxos de caixa contratuais e fortes contrapartes.”
Nos Estados Unidos, ao contrário da bolha da internet, em que os valores dos imóveis não foram afetados, o colapso das hipotecas em 2008 criou efeitos em cascata no setor imobiliário público e privado. As rachaduras apareceram pela primeira vez nos mercados de crédito imobiliário, que impactaram o mercado imobiliário público e, em seguida, o privado. O volume de transações diminuiu, e uma maior necessidade de liquidez levou a um aumento nas filas de resgate de fundos privados enquanto os investidores procuravam retirar capital sempre que possível.
As crises financeiras produzem vencedores e perdedores. Os vencedores tinham exposições em setores com demanda inflexível, fluxos de caixa contratuais e contrapartes fortes. Dívida privada básica de baixa alavancagem e renda variável imobiliária básica de mercados primários se saíram melhor do que dívida de maior alavancagem, e imóveis públicos e privados não essenciais. Foi também neste período que a infraestrutura surgiu como uma classe de ativos. Seu perfil de retorno semelhante, embora não correlacionado e mais defensivo, em relação ao imobiliário fez com que se transformasse em um complemento adequado.
Cada crise remodela o setor que afeta, e a crise financeira global gerou uma onda de inovação e oportunidades para a próxima década, incluindo o surgimento da logística infill, a energia renovável e a globalização do setor imobiliário, além de classes de ativos orientadas por regulamentação, como leasing de veículos e imobiliário. No longo prazo, as características de refúgio dos fluxos de caixa de alta qualidade dos setores imobiliário e de infraestrutura continuarão sendo fontes importantes de renda e diversificação, e os investidores devem buscar novas fontes de inovação sustentável para expandir e evoluir ainda mais sua exposição a ativos reais.
O caos do quant no verão de 2007
Ted Dimig – Head of U.S. Advisory and Core Beta Solutions, Multi-Asset Solutions
No verão de 2007, eu trabalhava como gestor do J.P. Morgan, liderando nossa equipe de produtos de finanças comportamentais/renda variável quantitativa. Naquela época, quem mandava eram os quants, o desempenho dos investimentos era forte, e tínhamos acabado de lançar nosso primeiro produto long-short. Então tudo mudou, aparentemente da noite para o dia. As duas primeiras semanas de agosto — período que antecedeu a crise financeira global, como ficou claro mais tarde — trouxeram falências em ampla escala.
“Minha principal lição desse período difícil? Para resumir, um problema nunca vem sozinho.”
Os retornos das estratégias quant excessivamente alavancadas despencaram (um evento de desvio padrão de 5+) e, como resultado, tiveram resgates consideráveis. O que estava em alta agora estava em baixa. Nosso primeiro instinto foi pensar que se tratava de um pico temporário e que, portanto, deveríamos manter a disciplina. Mas rapidamente entendemos que o caos naquele momento governava o mundo quant, e os investidores não gostam do caos. Ainda que os quants acabassem ressurgindo mais fortes ao final dessa experiência, dois anos depois, estima-se que cerca de 80% dos ativos da estratégia quant tenham sido liquidados.
Minha principal lição desse período difícil? Para resumir, um problema nunca vem sozinho. O que acontecia no espaço quant acabou sendo um sinal de alerta para as tensões financeiras em grande parte da economia global. Em outras palavras, foi um dos primeiros, mas de maneira alguma o único problema. Quando surge uma crise, é da natureza humana encontrar padrões que se assemelhem a episódios anteriores. Mas na realidade cada crise é uma crise. Hoje eu me esforço para ter uma visão multifacetada do mercado e do ambiente econômico e tento me concentrar no que é diferente do passado. Embora uma perspectiva histórica seja importante, um foco muito estreito pode fazer com que percamos a capacidade de enxergar o cenário completo. E então você deixa de perceber que há muito mais problemas que precisam ser analisados.
Aprendendo as limitações dos modelos quant na crise financeira de 2008
Katherine Santiago - Head of Quantitative Research, Multi-Asset Solutions
Comecei minha carreira em finanças em 2004; portanto, a crise financeira global de 2008 foi minha primeira experiência real com rupturas de mercado. Como investidora quant, pude ver que as decisões de implementação, como dimensionamento incorreto de risco e alavancagem, sobrecarregavam as visões e posições “corretas” de carteira. Aprendi que o verdadeiro poder de um processo de investimento robusto é sua capacidade de administrar ciclos de baixo desempenho, recalibrar de acordo com novas informações e riscos e estabelecer um melhor posicionamento para a próxima fase do mercado.
“Compreender as limitações e os vieses dos modelos pode orientar a resposta a rupturas severas.”
Compreender as limitações e os vieses dos modelos e processos pode orientar a resposta a rupturas severas. Os modelos mais baseados em valuations podem sinalizar um pico de mercado com bastante antecedência, enquanto aqueles baseados em dados técnicos podem levar mais tempo para registrar um ponto de inflexão. Dependendo do modelo, o investidor pode avaliar a velocidade necessária de uma resposta e decidir se segue um viés para a desaceleração ou para a retomada de um evento.
De uma perspectiva de investimento quant, nossa dependência de dados é um elemento bastante desconfortável em qualquer ruptura de mercado. Em 2008, muitas de nossas séries de dados, como a Libor ou outras medidas de liquidez, que funcionaram de forma confiável em períodos anteriores, começaram a falhar conforme a liquidez e o stress do mercado impactavam não apenas os preços de mercado, mas o próprio sistema financeiro. Isso significava que nossos modelos tinham dificuldade em interpretar a realidade dos mercados naquele momento e, portanto, não podiam prever que direção estavam tomando. Ser capaz de compreender os dados, suas limitações e seu impacto exato nos modelos é essencial para navegar por esses tipos de eventos de mercado. Na crise atual, os dados econômicos enfrentarão o mesmo desafio de acompanhar o ritmo acelerado da freada repentina da economia e o ritmo (ainda desconhecido) de sua retomada. Encontrar novas fontes de dados para ajudar a interpretar a atividade econômica pode ajudar, mas os investidores precisam pensar com cuidado antes de mergulhar de cabeça em algo novo que não tenha sido testado.
Crises passadas reforçam a lição — (a princípio) não é diferente desta vez
Anthony Werley – Chief Investment Officer, Endowments & Foundations Group
Em 19 de outubro de 1987, quando o Dow Jones Industrial Average caiu 22,6% (a maior queda percentual em um único dia na história dos Estados Unidos), eu trabalhava como chefe de uma mesa de vendas e negociação de renda variável no escritório de Boston de um dos maiores bancos de investimento do mundo. Realizamos dezenas de negociações de títulos conversíveis naquele dia com preços 25%, ou mais, abaixo do fechamento do dia anterior. Mesmo ali, esses preços foram a oferta de compensação somente daquele dia, já que se falava de novas quedas acentuadas nos mercados, fazendo com que todas as transações fossem arriscadas. Vendo a carnificina que tomava conta do mercado, como profissionais de investimento estávamos convencidos de que algo importante estava acontecendo e que mudaria os mercados por muito tempo.
“Eu sempre me surpreendo com a capacidade de recuperação das economias e dos mercados.”
Os 32 anos seguintes incluíram outros episódios assustadores no mercado: a crise de 1998, disparada pelo colapso do rublo russo e do hedge fund Long-Term Capital Management; a bolha da internet em 2000; e o colapso econômico e de mercado da crise financeira global. Olhando para trás, parece que há um padrão: o choque em torno de um evento completamente inesperado (mas ainda provável) ajuda na formulação de explicações abrangentes para possíveis resultados que, no fim, se estreitam conforme os eventos evoluem e os governantes abordam a crise como podem.
Embora o crash de 1987 não tenha tido impacto econômico significativo, os participantes do mercado financeiro, incluindo investidores e gestores, aprenderam lições importantes. O “seguro de carteira”, na época a mais nova técnica para proteger as carteiras, caiu em descrédito — e depois ressurgiu em outros formatos nas décadas seguintes. E, de certa forma, os resgates dos grandes investidores durante o crash de 1987 abriram caminho para a alta do mercado na década de 1990.
A crise atual terá repercussões significativas nos próximos dois anos, principalmente porque uma grave crise de saúde pública está se desenrolando junto com um importante evento econômico e de mercado. Mas eu sempre me surpreendo com a capacidade de recuperação das economias e dos mercados. Os eventos de 2020 devem acelerar as mudanças que já estão em andamento, mas não devem alterar seu curso básico de forma radical.
Mercados em baixa levam a novas oportunidades
John Bilton, CFA – Head of Global MultiAsset Strategy, Multi-Asset Solutions
Em 2008, eu vi a crise financeira global acontecer do ponto de vista de uma mesa de derivativos. O que sempre me impressionou na fase aguda de uma ruptura de mercado é como os pregões ficam assustadoramente silenciosos — em total contraste com as imagens na mídia. Os mercados de ativos podem estar dando cambalhotas, mas muitas vezes as negociações ficam paralisadas, e a atividade mais frenética acontece a portas fechadas enquanto a escala do impacto é analisada.
“Os mercados em baixa criam novas expansões econômicas, novas altas e novas oportunidades de investimento.”
Derivativos são geralmente associados ao hedge, mas a complexidade de alguns instrumentos compromete sua eficácia — por exemplo, o aumento do risco de contraparte após o colapso do Lehman Brothers prejudicou o valor de alguns hedges muito mais do que as alterações no preço do ativo subjacente. Em última análise, em qualquer ruptura de mercado, o caixa é o bem mais valioso. O hedge é importante — mas precisa ser simples, líquido e eficaz, pois convertê-lo de volta em caixa é fundamental.
Quando o mercado está em baixa, o choque inicial — quando o caixa tem demanda alta — passa rápido. E então começa uma fase mais prolongada. Benjamin Graham observou que os mercados são “urnas eletrônicas no curto prazo e balanças no longo prazo”. O choque inicial pode ser comparado a uma “votação” dos investidores para determinar se há caixa suficiente disponível, e em seguida acontece uma pesagem ou calibragem do impacto de longo prazo sobre o crescimento e os valuations.
Na recente turbulência, os bancos centrais atuaram com rapidez para inundar os mercados com caixa, e é reconfortante saber que a fase inicial da ruptura esteja passando — mesmo que a trajetória da economia permaneça incerta. A precificação agora é possível, e a fase da pesagem pode começar. Como veterano de quatro recessões e seis grandes rupturas de mercado, vejo claramente que mercados em baixa criam novas expansões econômicas, novas altas e novas oportunidades de investimento