Sumário Executivo: Uma nova carteira para a próxima década
09/11/2020
John Bilton
Karen Ward
Tim Lintern
Michael Akinyele
RESUMO
- A pandemia global de 2020 precipitou a recessão mais severa da história e também a retomada mais rápida já registrada. Conforme a economia começa a se mover em direção a um novo ciclo, esperamos que a adoção em grande escala de estímulo fiscal e monetário deixe uma marca duradoura
- O alinhamento mais próximo dos suportes monetário e fiscal deve distinguir o próximo ciclo do último, mas muitas questões importantes vão além dos ciclos econômicos. Questões como mudanças climáticas, envelhecimento da população e adoção de tecnologias continuam a afetar as economias e os mercados de ativos e, em alguns casos, se tornaram mais intensas com a turbulência causada pela pandemia.
- Apesar do final abrupto do último ciclo e da profundidade do choque econômico, nossas projeções de inflação e crescimento de longo prazo não mudaram muito.
- As projeções para o retorno dos mercados de ativos, por outro lado, despencam: o baixo ponto de partida para os yields se traduz em um cenário desanimador para os títulos públicos, e os valuations elevados para a renda variável prejudicam as ações. O crédito e a dívida de mercados emergentes ainda são boas apostas, mas é para os ativos alternativos que os investidores devem se voltar cada vez mais para buscar um retorno maior.
- Teremos que adotar uma nova carteira conforme avançamos na década de 2020. Com foco em ampliar o leque de oportunidades, e aceitando o fato de que ativos verdadeiramente seguros já não oferecem mais lucro, os investidores podem explorar todos os riscos específicos que uma carteira pode tolerar e, assim, colher o retorno.
UMA NOVA CARTEIRA PARA A PRÓXIMA DÉCADA
É difícil olhar além da pauta do noticiário e pensar no longo prazo imediatamente após uma crise profunda. Com a pandemia global ainda dominando as manchetes, no entanto, esta tarefa é ainda mais desafiadora — e por isso mesmo ainda mais essencial.
Na 25a edição de nossas Premissas de Longo Prazo para o Mercado de Capitais (LTCMA), procuramos fazer justamente isto: abstrair dos desafios apresentados para o curtíssimo prazo e considerar as consequências duradouras da crise da Covid-19 e, em particular, como as políticas adotadas para lidar com a crise afetarão o próximo ciclo. Também consideramos algumas das questões que transcendem a pandemia e moldam com persistência o ambiente econômico.
Talvez surpreenda o fato de que esperamos pouquíssimas consequências duradouras para a atividade econômica nominal no mundo; nossas projeções centrais para o crescimento (FIGURA 1A) e a inflação são bastante semelhantes às que publicamos no ano passado.
No entanto, assim como um cisne, que parece deslizar graciosamente na água enquanto pedala furiosamente abaixo da superfície sem que ninguém veja, os governantes de hoje — bancos centrais e governos — têm trabalhado duro para manter a economia deslizando para a frente.
Acreditamos que a marca de suas ações políticas deve permanecer por um bom período da próxima década. Bancos centrais como o Fed já estão adotando novos modelos1 para administrar a economia em um horizonte de tempo mais longo.
Mais importante, acreditamos que a intervenção fiscal continuará sendo uma ferramenta política por boa parte do próximo ciclo. O alinhamento das políticas fiscal e monetária na mesma direção de suporte é talvez a maior diferença econômicaentre este novo ciclo e o anterior. Os mercados de capitais já estão sentindo as marolas das ações mais intervencionistas dos governantes (FIGURA 1B).
Ao contrário de nossas projeções macro, nossas projeções para os retornos dos ativos incluem mudanças mais relevantes. Mais uma vez, estamos rebaixando muitas de nossas projeções para os retornos dos mercados públicos. Os desafios para a renda fixa core são especialmente intensos, o que nos leva a repensar a maneira como formamos carteiras balanceadas. Mais do que nunca, é fundamental utilizar alternativos como agentes de lucro e diversificação.
Fonte: Bloomberg, Haver, J.P. Morgan Asset Management; dados de 30 de setembro de 2020.
MUITA COISA ESTÁ ACONTECENDO ABAIXO DA SUPERFÍCIE
Todo novo ciclo segue uma recessão, e cada recessão tem suas próprias qualidades e respostas políticas, que por sua vez influenciam o contorno do crescimento para os anos seguintes. A última recessão foi incomum no sentido de que foi disparada por uma súbita convulsão no lado da oferta na economia, enquanto a maioria das recessões anteriores ocorreu porque a demanda secou.
Esta recessão não foi causada pela familiar imprudência de empresas, consumidores ou financeira e, portanto, as taxas de poupança das pessoas físicas e os balanços do setor financeiro estavam razoavelmente bem quando o choque econômico aconteceu. Além disso, a tensão comercial global que dominou 2019 pesou sobre o sentimento corporativo de tal modo que muitas empresas entraram na recessão sem Capex ou níveis de estoque particularmente altos. Portanto, ao contrário das recessões anteriores, não acreditamos que teremos um período longo e doloroso em que o capital e outros recursos precisem fazer a transição de um setor sobrecarregado para outro.
Em essência, esta foi uma recessão que não deveria ter acontecido — pelo menos não agora — e que foi causada por um choque verdadeiramente exógeno e não por um problema endêmico ou um desequilíbrio que empurrasse a economia precipício abaixo. Acreditamos, portanto, que as economias vão se recuperar nos próximos 12 meses, e nossas projeções de tendência de crescimento continuam sendo orientadas por muitos dos temas sobre os quais escrevemos bastante nos últimos anos, inclusive o envelhecimento constante da força de trabalho.
Assim, nossas projeções de crescimento real ficam modestamente mais altas este ano — crescimento global com alta de 10 pontos-base, para 2,4%, nos próximos 10 a 15 anos. Esta estimativa é orientada pela alta de 10 pontos-base em nossa projeção para mercados desenvolvidos, para 1,6%, baseada inteiramente no bônus cíclico que atribuímos às economias enquanto aceleram a saída da recessão e fecham suas lacunas de produção. Nossa projeção para mercados emergentes permanece inalterada, em 3,9%, com a pequena queda que enxergamos na tendência de crescimento compensada pelo bônus cíclico (FIGURA 2).
Nossas premissas para 2021 preveem um lento crescimento do PIB real, globalmente, com pouca alteração nas premissas de tendência, mas com pequenos bônus cíclicos aplicados a várias economias.
FIGURA 2: PREMISSAS MACROECONÔMICAS (%)
Fonte: J.P. Morgan Asset Management; estimativas de 30 de setembro de 2020. Agregado dos mercados emergentes derivado de amostra de nove países.
Assim como nossas projeções de crescimento, nossas estimativas para a inflação permanecem praticamente estáveis, e nossa projeção para a inflação global agregada permanece inalterada em 2,2%. A maior parte das nossas projeções de inflação para mercados desenvolvidos aponta estabilidade. Nossa projeção para os mercados emergentes também fica estável, em 3,3% — apesar das pequenas revisões para baixo em vários países —, refletindo uma melhora nas credenciais de combate à inflação de alguns bancos centrais de emergentes. No entanto, percebemos que a gama de resultados em torno do nosso cenário base está mais ampla e distribuída de maneira mais uniforme do que nos anos anteriores.
A política fiscal está de volta
Mesmo que a recessão não tenha sido atribuída a causas mais normais, sua profundidade e severidade deixou os governantes sem opção a não ser intervir. Com muitas ferramentas monetárias esgotadas, e porque muitas regiões entraram na recessão com taxas básicas de juros já em patamares emergenciais (não haviam sido elevadas na expansão anterior), os governos foram obrigados a ampliar o gasto fiscal para níveisinéditos. Paralelamente, os bancos centrais expandiram sua intervenção nos mercados de ativos e aumentaram seus balanços patrimoniais para mais de USD 20 trilhões.
Na próxima década, esperamos um estímulo fiscal mais ativo em tempos de tranquilidade do que já visto em qualquer momento da história financeira moderna, com as políticas fiscal e monetária apontando na mesma direção para atingir objetivos econômicos. Esta é uma mudança marcante em comparação às últimas décadas, em que bancos centrais independentes foram quase que os únicos responsáveis pela gestão de demanda. Em nosso artigo temático “A década fiscal: As promessas, os problemas e o potencial do estímulo fiscal”, enfatizamos a importância desta virada.
Devemos dar as boas vindas ou temer um envolvimento maior do governo nas economias? Depende: se o país tem uma economia bem ordenada e instituições sólidas e robustas, o acesso aos mercados para financiar mesmo as expansões de tamanho mais considerável deve continuar descomplicado. Como resultado, não vemos um grande imperativo induzido pelo mercado para que os governos retornem a um período de austeridade (FIGURA 3), principalmente nos países que têm projetos e investimentos claros para os quais o capital pode ser direcionado com eficiência e cuja gestão econômica é forte. A combinação destes atributos tem maior probabilidade de levar a um investimento produtivo, com maior chance de fomentar o potencial de crescimento de longo prazo.
No entanto, quando estes requisitos não são totalmente atendidos, o risco de alta na inflação, alta nos juros e, no extremo, crises monetárias e a exclusão dos mercados de capitais cresce muito rápido. No geral, um gasto fiscal maior é inevitável no próximo ciclo — e saudamos com cautela a sua chegada —, mas com a importante ressalva de que a expansão fiscal mal executada pode ter efeitos colaterais devastadores.
Eleitores norte-americanos estão se preocupando menos com os déficits fiscais, mesmo que estejam em alta.
FIGURA 3: VISÃO DOS ELEITORES PARA O DÉFICIT NO ORÇAMENTO E O TAMANHO DO DÉFICIT FISCAL
Fonte: Bloomberg, Haver, Pew Research Center, J.P. Morgan Asset Management; dados de 30 de setembro de 2020.
Encarando o desafio das mudanças climáticas
Os governos não estão preocupados somente em promover a atividade econômica no curto prazo. Muitos — na Europa em particular — estão de olho no longo prazo e no combate às mudanças climáticas (FIGURA 4). Como já dissemos, entendemos que este movimento oferece suporte ao lado da demanda na economia no curto prazo e melhora a oferta no longo prazo.
Países europeus têm compromissos sérios com o investimento verde, mesmo não estando no topo da lista de poluidores .
FIGURA 4: INVESTIMENTO PÚBLICO EM ECONOMIA VERDE E NÍVEL DE EMISSÕES DE CO2
Fonte: IEA, OECD, World Bank, Mission Innovation; dados de 2019 ou os mais recentes disponíveis. Orçamentos de P&D para Brasil, Rússia, Índia e China são estimativas.
Nota: Os números de P&D são baseados em dados do setor público e podem não refletir iniciativas do setor privado ou de pesquisa “joint venture”.
Este ano, incluímos no LTCMA uma análise detalhada das implicações econômicas das mudanças climáticas. Apesar das enormes implicações sociais das mudanças climáticas, os modelos econômicos têm sido menos conclusivos, em grande parte porque modelos simples de oferta-demanda e convenções contábeis nacionais tendem a não considerar as externalidades arraigadas2 que dominam as implicações econômicas, principalmente no longo prazo.
Sejam as mudanças climáticas combatidas através do uso menos intensivo de energia “marrom” ou de um investimento maior em energia verde, enxergamos um resultado econômico positivo a partir do investimento sustentável. Na verdade, em algumas nações e regiões, o investimento na economia verde poderia servir tanto como um expediente político quanto como um meio para implementar o estímulo fiscal e ainda fomentar o crescimento. É claro que haverá quem se saia bem e quem se saia mal, principalmente quando a demanda por combustíveis fósseis estabilizar e, por fim, engatar a marcha à ré. Mas assim como outros desafios de longo prazo, esperamos que a adoção de tecnologias sustentáveis traga inovações e aumente a eficiência.
Políticas dos bancos centrais restringidas por um sistema mais alavancado
Entre todas as incertezas, uma coisa está clara: provavelmente veremos uma alavancagem elevada que deve durar algum tempo. Como discutimos em nosso artigo temático que fala da questão da alavancagem, “Dívida, dívida em toda parte: As implicações de um mundo altamente endividado”, governos e empresas assumiram uma dívida adicional considerável para conseguir administrar este período de baixa na receita, o que pode reduzir o gasto e o investimento no futuro. No entanto, suspeitamos que o fardo desta dívida será aliviado graças ao período prolongado de baixa nos juros, cortesia dos bancos centrais ao redor do mundo.
Os bancos centrais têm poucas opções a não ser se concentrar menos em levar a inflação de preços para baixo e mais em promover e manter a estabilidade financeira. Simplificando, esta é uma mudança enorme — pode-se dizer inclusive que seja uma diluição ou até mesmo uma reversão da abordagem personificada na figura de Paul Volcker, quando presidente do Fed, e replicada por governantes em todo o globo nas últimas três décadas. De fato, pode-se até dizer que os incentivos dos bancos centrais estejam talvez se tornando mais alinhados aos emissores de dívida do que aos credores.
Nosso artigo temático sobre dívida e alavancagem também examina como a alavancagem corporativa persistentemente alta afeta tanto as estruturas financeiras das empresas quanto os retornos dos ativos financeiros corporativos. Para as empresas dos mercados desenvolvidos, os juros baixos servem hoje como incentivo para uma alavancagem maior e que deve se manter por algum tempo. No fim, alguma desalavancagem deve acontecer, mas somente quando os juros subirem sem risco e o custo total da dívida começar a crescer.
Com o alongamento da dívida corporativa e uma cobertura razoável de juros (mesmo para níveis visivelmente altos de dívida), acreditamos que teremos de nos ajustar a um longo período de alavancagem corporativa elevada. A alavancagem maior também deve sustentar o retorno sobre o patrimônio líquido, e é provável que traga de volta, e surpreendentemente rápido, a tendência corporativa de elevar os quocientes de payout via dividendos e recompras.
INTERVENÇÕES POLÍTICAS DESAFIAM OS RETORNOS DOS MERCADOS PÚBLICOS
Nossas projeções macro permanecem em grande parte inalteradas este ano — evidenciando o enorme esforço dos governantes para absorver o choque econômico da Covid-19 e evitar cicatrizes econômicas duradouras. No entanto, esta intervenção tem ramificações importantes para os mercados financeiros. A manipulação direta, pelos bancos centrais, dos mercados “livres de risco” foi intensificada na crise financeira de 2008-2009. Na crise do coronavírus, suas intervenções foram mais a fundo, chegando ao funcionamento e à precificação dos ativos de risco. Apoiar os mercados de ativos é uma parte compreensível da resposta política, mas este apoio agora compromete as expectativas de retorno, principalmente nos mercados públicos.
O desafio é mais urgente para os mercados de renda fixa. Em termos gerais, yields iniciais extremamente baixos se traduzem em retornos médios reduzidos nos mercados de títulos públicos nos próximos 10 a 15 anos. Nossas estimativas de yield de equilíbrio permanecem inalteradas para caixa e títulos de 30 anos na maioria das moedas, mas ficam ligeiramente mais baixas no ponto de 10 anos para permitir uma demanda estrutural mais alta na curva quando os balanços dos bancos centrais crescerem. Com os níveis bastante baixos dos yields iniciais, nossas projeções de retorno ficam mais baixas para todos os vencimentos na maioria das principais moedas (FIGURA 5). De fato, exceto para CNY, MXN e KRW, projetamos retorno real negativo para todos os títulos públicos nos próximos 10 a 15 anos e, na ponta final das curvas para EUR, GBP e CHF, esperamos que até mesmo o retorno nominal seja negativo.
Com os níveis bastante baixos dos yields iniciais, nossas projeções de retorno são de queda entre vencimentos e moedas.
FIGURA 5: PROJEÇÕES PADRÃO DE RETORNO DA RENDA FIXA NO G4, GRAU DE INVESTIMENTO (IG), HIGH YIELD (HY) E DÍVIDA DE MERCADOS EMERGENTES (EMD)
Fonte: J.P. Morgan Asset Management; estimativas de 30 de setembro de 2020.
^ EUR: índice 15+ anos; JPY: índice JGB Bond; GBP: índice 15+ anos; USD: índice 20+ anos. * Dívida pública de mercados emergentes.
São números bastante chocantes, sem dúvida, mas que obscurecem dois importantes fatores sutis de nossas projeções de retorno. Primeiro, nossa expectativa de retorno para títulos públicos em EUR na verdade subiu um pouco. Tecnicamente, isto se deve ao fato de que os yields em EUR estão mais altos este ano (ou seja, menos negativos) do que estiveram no auge da disputa comercial EUA-China, que ainda estava turbulenta no segundo semestre de 2019. Em um nível mais profundo, no entanto, o fato de os yields em EUR estarem realmente mais altos agora, após todo o trauma econômico de 2020, significa que a Europa já pode ter chegado ao piso dos juros antes de a pandemia varrer o cenário.
Segundo, com a intervenção dos bancos centrais globais durante a pandemia e seu comprometimento em baixar os juros por um período maior, estendemos todas as expectativas de normalização dos juros para pelo menos até 2024. No entanto, quando a normalização começar, acreditamos que os juros subirão rapidamente — principalmente se o estímulo fiscal levar a uma certa reflação, como acreditamos que será o caso (FIGURAS 6A e 6B).
Como estamos em um novo ciclo econômico, e acompanhando as projeções dos bancos centrais de que os juros continuarão baixos por um longo período, estendemos nossas projeções de normalização de juros.
Fonte: J.P. Morgan Asset Management; dados de 30 de setembro de 2020.
Como resultado, enxergamos três fases distintas para o retorno dos soberanos: uma fase inicial de yields e retornos baixos (mas com índices de Sharpe razoáveis), uma fase intermediária de alta nos juros e retorno negativo e uma fase final com yields normalizados e retorno real de volta ao terreno positivo. Ainda assim, o retorno nestes anos finais não será suficiente para compensar os períodos de baixa anteriores nem o retorno negativo enquanto os juros normalizam.
A flexibilização da política monetária pelo Fed também paralisou o movimento de valorização do dólar. Sinalizamos a sobrevalorização do dólar pela primeira vez em 2016, mas também acreditamos que os mercados do dólar podem se manter em alta (e baixa) por vários anos (FIGURA 7) e que uma valorização estendida era uma condição necessária, mas não suficiente, para uma reversão não-cíclica.
O período estendido de “excepcionalidade” nos EUA pode estar chegando ao fim, levando a um dólar mais fraco.
FIGURA 7: MERCADOS DO DÓLAR EM ALTA E BAIXA, NÃO-CÍCLICOS, NOS ÚLTIMOS 50 ANOS
Fonte: Bloomberg, Haver, J.P. Morgan Asset Management; dados de 30 de setembro de 2020.
É possível, no entanto, que o período estendido de “excepcionalidade” nos EUA — no crescimento, nas taxas de juros e no desempenho dos mercados de renda variável — esteja chegando ao fim. Como resultado, esperamos que o dólar enfraqueça em relação à maioria das moedas, com quedas notáveis versus EUR, JPY e CNY.
No passado, a alta valorização do USD fortaleceu nossas projeções de longo prazo para o retorno de ativos globais em relação ao retorno local para investidores baseados na moeda, mas por outro lado pesou no retorno projetado disponível nos ativos norte-americanos para investidores de outras regiões. No entanto, os diferenciais das moedas só começam a ficar vantajosos para os investidores quando as moedas de fato iniciam uma trajetória de reversão de suas tendências não-cíclicas. É por este motivo que ampliamos dramaticamente a dispersão de nossas projeções de longo prazo para a renda variável e os mercados de crédito.
Falando em crédito, acreditamos que os bancos centrais continuarão intervindo neste mercado por um tempo, pelo menos controlando os riscos de desvalorização no segmento de maior qualidade, o que deve compensar o impacto da alavancagem, que permanece alta. Como resultado, nossas premissas de spread de equilíbrio mudam pouco para o crédito corporativo de mercados desenvolvidos este ano: queda de somente 5 pontos-base, para 160 pontos-base, para o grau de investimento EUA; e estabilidade em 500 pontos-base para o crédito high yield EUA. Isto se traduz em projeções mais baixas de retorno, com queda de 90 pontos-base para 2,50%, para o grau de investimento EUA — onde o duration mais longo do índice pesa bastante. As premissas de retorno caem menos para o high yield EUA, com queda de 40 pontos-base para 4,80%; esta classe de ativos é beneficiada por uma resistência menor de duration e níveis de spread mais próximos da nossa estimativa de equilíbrio no longo prazo. O padrão do crédito com grau de investimento Europa é semelhante, com o grau de investimento em EUR em queda de 40 pontos-base para 1,40%, e o retorno de high yield Europa estável em 3,60%.
Para a dívida de mercados emergentes, o suporte dos bancos centrais para os mercados está menos claro e, portanto, os níveis de dívida mais altos nos levam a subir nossas premissas de spread de equilíbrio. Subimos nossas premissas de spread de equilíbrio para títulos públicos de mercados emergentes em 25 pontos-base para 375 pontos-base, e para corporativos de mercados emergentes em 75 pontos-base para 400 pontos-base, que se traduzem em projeções de retorno de 5,20% e 4,70%, respectivamente.
As projeções de retorno para ativos de crédito em geral este ano estão razoavelmente resilientes — permitindo até o impacto do duration no crédito com grau de investimento. Já há algum tempo, descrevemos o crédito como o ponto positivo da renda fixa, mas com os altos valuations iniciais nos mercados de renda variável, o crédito agora se compara de forma bastante favorável com as ações, tanto em termos de retorno como de risco.
Na renda variável, a principal mensagem das nossas projeções este ano é a maior dispersão entre retornos de renda variável EUA e não-EUA. Esta tendência, evidente nos últimos anos, tornou-se mais pronunciada este ano — principalmente quando convertemos nossas projeções de retorno na renda variável global para USD.
O patamar mais baixo dos juros combinado com o uso maior de alavancagem nos leva a subir modestamente nossa premissa dos valuations justos em nossas projeções. Como descrevemos em maior detalhe em nosso artigo sobre Premissas da Renda Variável, aproximamos mais nossa premissa de múltiplos preço/lucro (P/L) justo da média de 30 anos. Mesmo assim, o patamar inicial dos valuations neste ciclo é incomum, e os níveis mais baratos de valuations, que vieram na esteira do abalo em fevereiro e março de 2020 se recuperaram excepcionalmente rápido (FIGURA 8). Ainda assim, não é correto dizer que as ações estejam caras. É verdade que o impulso que o valuation registrava no início do último ciclo não está presente agora, mas a renda variável está atraente quando comparamos com os valuations dos mercados de títulos de dívida.
Este ciclo está começando em um ponto incomum, com valuations elevados na renda variável e prejudicando o retorno em muitos mercados acionários.
FIGURA 8: DIRECIONADORES CÍCLICOS X ESTRUTURAIS DE RETORNO PARA RENDA VARIÁVEL PRINCIPAL E OUTROS ATIVOS
Fonte: Bloomberg, Datastream, J.P. Morgan Asset Management; dados de 30 de setembro de 2020.
O impacto dos valuations elevados é mais severo para a renda variável de empresas de grande porte EUA, onde nossa projeção de retorno cai 150 pontos-base para 4,10%. Isto faz com que o retorno da renda variável global caia 140 pontos-base para 5,10%, enquanto nossa projeção de renda variável exceto EUA desce 100 pontos-base para 6,70%, todos em dólares, o que implica em melhores projeções para alguns mercados não-EUA. A renda variável do Reino Unido ficou para trás em 2020, contribuindo para um nível de entrada melhor, elevando nossa projeção de retorno em 60 pontos-base para 6,70%, em moeda local. Em contraste, as projeções para a renda variável do Japão caem 40 pontos-base para 5,10%, e as projeções para a renda variável da Zona do Euro descem 60 pontos-base para 5,20%, ambas em moeda local. Nossa projeção de retorno da renda variável de mercados emergentes cai 200 pontos-base para 7,20%, em dólares norte-americanos. Mesmo que represente um prêmio de 230 pontos-base para a renda variável de mercados desenvolvidos, a diferença nas projeções de retorno entre mercados desenvolvidos e emergentes se estreitou em 60 pontos-base este ano. Os valuations explicam parte desta virada, mas ela também aconteceu porque — depois do mercado de renda variável EUA — a renda variável de mercados emergentes teve o melhor desempenho no ano passado,3 enquanto vários outros mercados acionários importantes se moveram para baixo.
Qual é a alternativa?
A tendência em direção a um retorno menor nos mercados públicos de ativos, que já vem acontecendo há alguns anos, está cada vez mais levando os investidores a procurar mercados de ativos alternativos e privados. No artigo temático “Alternativos: De opcionais a essenciais” exploramos a popularização destes ativos, e o motivo pelo qual estes mercados, que eram um lugar obscuro nos mercados de capitais, se transformaram em um enorme conjunto de oportunidades em rápida expansão.
Nos próximos anos, esperamos que o acesso e a liquidez nos mercados de ativos alternativos cresçam de maneira robusta (FIGURA 9). Para contextualizar, o mercado global de private equity, como a ponta de maior risco no espectro, já é maior do que todo o mercado acionário do Reino Unido. Na ponta mais conservadora do espectro, o imobiliário tipo core representa globalmente um conjunto de ativos totalizando mais de USD 4,8 trilhões.4 É verdade que há riscos na alocação em ativos privados e alternativos, mas todas as decisões de investimento envolvem riscos. Em outras palavras, a relação entre risco de mercado e retorno em muitos mercados públicos oferece uma recompensa muito pequena, levando os investidores a buscar formas de monetizar outros prêmios de risco, como a falta de liquidez, por exemplo.
Em geral, as projeções de retorno para ativos alternativos e privados se mantiveram melhor do que as projeções para os mercados públicos.
FIGURA 9: RETORNOS PARA AS PRINCIPAIS CLASSES DE ATIVOS ALTERNATIVOS
Fonte: J.P. Morgan Asset Management; dados de 30 de setembro de 2020.
Dentro dos alternativos financeiros, nossa projeção de retorno para o private equity ponderado pela capitalização cai 100 pontos-base para 7,80%. Esta queda reflete premissas mais baixas para os mercados públicos, mesmo com as expectativas de alfa inalteradas ou em alta apesar dos múltiplos elevados de preço de compra e um dry powder significativo. A pequena elevação nas expectativas de alfa se baseia na capacidade de empregar dry powder de maneira mais produtiva em uma economia deslocada e na rotação para setores com crescimento mais alto. As projeções de retorno para a maioria das estratégias de fundos de hedge caem este ano, refletindo retornos mais baixos disponíveis nos ativos de mercados públicos. Mesmo assim, acreditamos que as condições para geração de alfa estão melhorando, o que deve elevar a importância da seleção pelos gestores.
Nos ativos reais, os retornos se sustentaram notavelmente bem. Nossas projeções para imobiliário core sobe 10 pontos-base em EUA e Ásia-Pacífico, para 5,90% e 6,60% respectivamente, enquanto o imobiliário core Europa exceto Reino Unido fica estável em 5,00%, e o imobiliário core Reino Unido sobe de 5,50% para 5,90%. Há o receio de que o impacto da Covid-19 mudará profundamente os hábitos de trabalho, impactando o setor de escritórios. Reconhecemos o impacto de curto prazo sobre a absorção, mas observamos que o mix ótimo de ativos imobiliários subjacentes está em constante mudança e, no longo prazo, estas mudanças continuarão acontecendo no âmbito dos ativos e dos setores. O varejo, por exemplo, está pressionado há alguns anos mas, ao mesmo tempo, os setores de logística e armazéns estão com alta demanda. O mundo pós-Covid-19 e as mudanças nas práticas de trabalho podem alterar o mix de tipos de ativos mas, como um todo, o setor imobiliário continua sendo uma importante classe de ativos com um potencial robusto de retorno.
Infraestrutura e transportes também oferecem retornos excelentes para os investidores, com o retorno de infraestrutura core global em alta de 10 pontos-base para 6,10% este ano, e transporte core global — um ativo novo adicionado este ano — em 7,60%. A alta em comparação com os mercados públicos é convincente nos ativos reais.
No entanto, é importante reconhecer as concessões que estão sendo feitas nos alternativos de modo amplo — notadamente a liquidez — e a importância da seleção do gestor para acessar estes retornos. Ao fazer escolhas para a formação de carteira relacionadas aos ativos alternativos, os investidores precisarão cada vez mais estender os modelos tradicionais de alocação baseada em média-variância (risco-retorno) para considerar os diferentes aspectos dos prêmios de risco entre os ativos alternativos.
UMA NOVA CARTEIRA PARA A PRÓXIMA DÉCADA
No LTCMA do ano passado, sugerimos que os investidores deveriam olhar além da carteira 60/40 de ações/títulos. Neste ano, a motivação é ainda mais forte. Na edição do ano passado, mostramos que os títulos de dívida continuam desempenhando seu papel dentro das carteiras — oferecendo proteção em tempos de fraqueza econômica — mas seu outro papel, o de provedor de lucro, estava comprometido. Este ano, os títulos provaram seu valor no primeiro trimestre, entregando belos retornos enquanto a economia parava, mas no futuro, considerando que não haja uma nova crise e yields ainda mais negativos, enxergamos um retorno positivo real dos títulos como pouco provável.
Os investidores enfrentam, portanto, uma decisão difícil: como colher um retorno aceitável sem um aumento inaceitável do risco na carteira. Os investidores podem acabar descobrindo que o patamar de risco de mercado necessário para gerar um nível aceitável de retorno não é palatável, a menos que abracem outros riscos — como o de iliquidez, de moeda ou a alocação cada vez mais dinâmica de ativos.
Além disso, não se deve subestimar a escala e a natureza dos riscos quem vêm por aí. Nosso cenário central é o de que a política é sensível e tem a função de prevenir cicatrizes duradouras. Mas acreditamos que muitas das nossas projeções têm caudas mais grossas — ou seja, uma distribuição mais ampla dos riscos em torno da nossa projeção central. Uma recuperação da produtividade traz um risco ainda maior para a valorização, dada a rápida adoção de novas tecnologias nos últimos meses. A persistência das tensões comerciais continua sendo um dos principais riscos de desvalorização.
O conceito de caudas grossas também é importante nas nossas projeções de inflação. No LTCMA do ano passado, dissemos que desde o início da década de 1980 a inflação vem consistentemente demonstrando um viés de baixa em comparação com as expectativas projetadas — o que ficou bastante claro no último ciclo. Como a política fiscal agora se move na mesma direção que a política monetária, os riscos de alta da inflação estão crescendo. Para ficar claro, acreditamos que isto deve acontecer no médio prazo, pois a inflação será contida por grandes disparidades na produção nos próximos anos. Pela primeira vez em muitos anos, no entanto, observamos um risco plausível de alta em nossas projeções de inflação.
Para maximizar o retorno, mas ao mesmo tempo reconhecer os vários riscos, os investidores devem olhar para a maior gama possível de ativos disponíveis e pensar em adotar um conjunto expandido de oportunidades. Em muitos casos, os investidores podem se deparar com entraves regulatórios para atingir este objetivo, mas em nosso horizonte de projeção de 10 a 15 anos, acreditamos que estas restrições devem se adaptar gradualmente à perspectiva de retorno real negativo, e de índices de Sharpe não atraentes, dos ativos tradicionalmente “seguros” (FIGURA 10). O que é ainda mais crucial: quando forma uma carteira para atingir objetivos específicos e que se adapte a restrições práticas, ao invés de partir de uma carteira de mercado e adotar limites arbitrários de alocação, o investidor tem uma visão mais clara das melhores concessões a se fazer nas carteiras.
Os índices de Sharpe para ativos em USD caíram bastante este ano.
FIGURA 10: ÍNDICES DE SHARPE PARA OS PRINCIPAIS ATIVOS DO G3 EM 2021 E 2020
Fonte: Bloomberg, J.P. Morgan Asset Management; dados de 30 de setembro de 2020.
Os investidores precisarão usar mais a análise de cenários na formação de carteira. A análise de cenários é bastante utilizada, mas sua adoção geralmente é limitada à testagem dos extremos de uma determinada visão de mundo. Os investidores e gestores de risco raramente consideram de maneira sistemática cenários completamente alternativos. Uma maneira de conciliar a baixa volatilidade do mercado com a grande incerteza é refletir sobre a possibilidade de os riscos de cauda ficarem bem contidos dentro de um cenário mundial — através de intervenções persistentes na política pelos bancos centrais, por exemplo. Mas se este cenário entrasse em colapso — talvez devido a uma perda de credibilidade nos bancos centrais — então os investidores se encontrariam em um ambiente totalmente diferente e muito mais incerto.
Formar carteiras que sejam robustas em diferentes cenários mundiais no futuro vem se tornando tão fundamental quanto a otimização para os riscos e retornos em torno de nossa visão central. Os títulos de dívida, por exemplo, oferecem retorno limitado em nosso caso de base de estabilidade no crescimento no longo prazo e riscos inflacionários equilibrados, mas as exposições em títulos de dívida sofrerão perdas consideráveis se a combinação de estímulo fiscal e monetário levar a uma inflação muito mais alta. Os ativos reais, por outro lado, podem oferecer uma reserva de valor mais estável em um conjunto mais amplo de cenários futuros, mas ao custo da liquidez hoje, que é uma concessão que nem todos os investidores podem fazer (FIGURA 11).
Os retornos caíram para a maior parte dos ativos de mercados públicos, mas em termos de prêmios de risco, como o crédito, a renda variável e o private equity continuam atraentes.
FIGURA 11: RETORNO E PRÊMIOS DE RISCO PARA OS PRINCIPAIS ATIVOS EM USD
Source: J.P. Morgan Asset Management; data as of September 30, 2020.
Hoje não existem escolhas fáceis para a carteira. No passado, um novo ciclo coincidia com yields baixos e valuations inferiores no mercado acionário. A escolha dos investidores se resumia na firmeza com que acreditavam na próxima recuperação e na expansão econômica. A fronteira entre ações e títulos de dívida enfatiza o desafio estrutural que vem pela frente para os investidores: yields baixos e valuations elevados na renda variável agem em conjunto para empurrar a fronteira para níveis muito baixos (FIGURAS 12A e 12B).
Nos primeiros estágios dos ciclos anteriores, bastava simplesmente pressionar mais a fronteira de risco para colher retorno, mas presumir que o risco de mercado será ainda maior neste ciclo pode não ser a concessão mais eficiente. De modo mais claro, há oportunidades para os investidores, como demonstra o número de ativos que estão bem distantes da fronteira entre ações e títulos de dívida.
No entanto, o dilema está no patamar de retornos disponíveis nos mercados públicos mais líquidos de títulos e renda variável. Não é o caso de “comprar de olhos fechados”; acreditamos que a expansão que está por vir deve sustentar os mercados de ativos de risco, mas os valuations são um desafio.
Os mercados de ativos que sofreram o mínimo de intervenção dos governantes, como o crédito high yield, a dívida de mercados emergentes e muitos ativos alternativos, ainda oferecem certa promessa de retorno razoável. Mas os retornos futuros estão prejudicados nos mercados de ativos em que a atuação política tem sido mais pronunciada. O resultado é que vários dos ativos principais estão posicionados bastante acima da fronteira entre ações e títulos de dívida, o que significa que os investidores ficaram sem um caminho para formar uma carteira robusta e acessar um potencial maior de retorno. No entanto, nenhuma destas opções está livre de riscos — o que pela lente do risco de mercado é uma perspectiva convincente, inevitavelmente envolverá outras concessões.
Uma das primeiras coisas que ensinamos em Economia para Leigos é que não existe almoço grátis. E as projeções de retorno em nossa edição de aniversário de 25 anos do LTCMA deixam isto bastante claro: lidar com a pandemia hoje custa o retorno de amanhã em muitos dos mercados de ativos convencionais. Na hora de formar uma nova carteira para a próxima década, incentivamos os investidores a aproveitar a gama maior de oportunidades entre ativos públicos e privados e as novas abordagens para a gestão de riscos para fazer frente ao déficit de retorno das classes de ativos tradicionais. Afinal, o almoço não é a única refeição do dia.
A política monetária ultraflexível está comprimindo os yields, e o estímulo fiscal e monetário está empurrando os valuations da renda variável para cima, causando um impacto combinado que faz com que as fronteiras entre ações e títulos de dívida estejam muito mais baixas do que no ano passado.
Fonte: J.P. Morgan Asset Management; dados de 30 de setembro de 2020.
Notas de rodapé
1 No 3T20, o Fed anunciou um regime de “meta de inflação média” que permite aos governantes equilibrar os períodos em que a inflação cai abaixo da meta, deixando que a inflação suba acima da meta de 2% algumas vezes.
2 Consumo, produção e decisões de investimento de investidores individuais, pessoas físicas, e empresas geralmente afetam pessoas que não estão diretamente envolvidas nas transações. Às vezes, estes efeitos indiretos são muito pequenos. Mas quando são grandes, podem causar problemas — o que os economistas chamam de externalidades. As externalidades estão entre as principais razões para os governos interferirem na esfera econômica. Fonte: FMI.
3 Setembro de 2019 a setembro de 2020.
4 Renda variável privada imobiliário, titularidade de não-corporativos e não-real estate investment trusts (REITs)
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